Tudo começou quando eu tinha apenas 6 anos e perdi meu pai. Ele faleceu de câncer de pulmão, mas o HIV sem tratamento, já em estágio de AIDS, fez com que sua morte fosse rápida e muito dolorosa para todos nós. Foi um momento muito difícil para a nossa família, principalmente para minha mãe, que ficou abalada e, em busca de apoio, acabou compartilhando seu diagnóstico. Meu caso é de transmissão vertical, e desde pequena vivi com o peso do preconceito que cercava a nossa realidade. Na época, a sociedade associava o HIV à promiscuidade, e isso trouxe muito sofrimento, comentários maldosos e situações traumáticas para nós. Amigos e familiares, por exemplo, chegavam a passar álcool nos objetos que a minha mãe usava, mostrando o quanto o estigma era cruel.
Aos 12 anos tive uma pneumonia, e foi nesse momento que descobri meu diagnóstico positivo. Comecei a tomar o tratamento, mas era muito complicado — os remédios eram fortes, difíceis de aceitar, e eu ainda era muito nova para lidar com tudo aquilo. Aos 14 anos conheci o pai da minha filha, mas não consegui contar para ele. Quando engravidei, aos 16 para 17 anos, finalmente revelei. Fiz o tratamento corretamente durante a gestação, não amamentei e segui todos os cuidados. Graças a isso, minha filha nasceu livre do vírus.
Quando ela tinha por volta de 2 anos, me separei. Naquele momento, parei com os remédios, larguei tudo e vivi como se não tivesse nenhuma doença. Foram quase 9 anos sem tratamento. Em 2023, tive uma queda muito grande: fui diagnosticada com neurotoxoplasmose, cheguei ao estágio de AIDS e quase morri. Desde então, retomei meu tratamento sem parar e hoje estou indetectável.
Na minha família, somos três irmãos. Eu, a mais velha, sou positiva porque fui amamentada. Meu irmão, dois anos mais novo, não foi amamentado e é negativo. Minha irmã caçula também é negativa, mesmo com o diagnóstico da minha mãe já conhecido na época — um grande alívio para nós.
Hoje, minha filha tem 12 anos. Por muito tempo não consegui contar meu diagnóstico para ela, mas, através do projeto Posithividades, encontrei coragem. Expliquei de uma forma lúdica: disse que no sangue dela vive um super-herói favorito dela, forte e cheio de vida, e no meu vive outro super-herói, talvez um pouco diferente, mas que também luta todos os dias. Eu quis que ela entendesse com empatia, sem medo e sem preconceito, diferente do que minha mãe viveu lá atrás.
O Posithividades me fez sentir completa. Nele, eu não preciso esconder nada: não há segredo, vergonha ou medo. Ali eu sou 100% eu mesma. Estar nesse grupo, ao lado de pessoas de diferentes lugares, tem mudado minha forma de ver o mundo. Sinto que todos que vivem com HIV deveriam ter essa experiência.
Minha gratidão é enorme ao Lucian, responsável pelo projeto Posithividades. Sua coragem e iniciativa têm transformado vidas, inclusive a minha. Hoje não me sinto mais tão sozinha, estranha ou isolada.
Ainda existe muito preconceito, mas acredito que as coisas podem melhorar. E sigo em frente, com esperança.