Olá, sou Elna Amaral, médica infectologista.
O HIV entrou na minha vida de uma maneira bem inesperada e não programada, eu diria.

Em março de 2001, eu estava iniciando o 4º ano do curso de Medicina na Universidade Federal do Piauí. Era o meu primeiro dia nas disciplinas clínicas, e começamos com a aula de pediatria, numa segunda-feira pela manhã.

Logo no primeiro dia de aula, a professora, médica pediatra, anunciou que a faculdade estava começando o período com professores em greve e que ela aderiria à paralisação.

Entendíamos a causa, mas para nós era frustrante ter que passar meses com o curso interrompido, sem ter nada para fazer, e sabendo que isso atrasaria a nossa formatura.

Quando ela liberou a turma, fui falar com ela individualmente e perguntei se continuaria fazendo atendimentos, porque eu queria acompanhá-la para já ir pegando experiência.

Ela disse que sim, que embora estivesse em greve nas aulas teóricas, as práticas eram feitas com pacientes agendados pelo SUS e que, como esses atendimentos já estavam marcados, ela não poderia deixar de realizá-los.

Naquela mesma tarde, compareci ao ambulatório. Ele ficava voltado para um pátio onde as crianças brincavam enquanto esperavam ser chamadas. Só naquela tarde havia umas quinze crianças para ela atender.

Logo depois que cheguei, ela entrou no consultório e foi me explicar a rotina. Começou dizendo: “Todas as crianças que você vê aí são crianças com HIV.” Eu não disfarcei o espanto: “Todas?” Ela explicou que era a única médica do estado que atendia crianças expostas ao HIV, bem como aquelas que já viviam com o vírus, adquirido por transmissão vertical. Por isso, o ambulatório dela havia se tornado um ambulatório exclusivo para crianças com HIV.

Respondi: “Pois vamos começar. Eu não sei nada sobre HIV, além do que aconteceu com meus ídolos Renato Russo, Cazuza e Freddie Mercury.” Ela riu e disse: “Olha, não é fácil para essas famílias. Os medicamentos são em grande volume e têm sabor horrível. É muito difícil manter a adesão, mas não podemos deixá-los desistir.”

Pronto. Quando comecei a ver os primeiros casos, me encantei com tudo: com as histórias de cada família, com a forma como o HIV entrou na vida delas, o que mudou, como era ter uma criança com HIV numa época com tão pouca perspectiva de vida.
E a parte técnica, então? Devorei o protocolo de tratamento, que na época era um livrinho de bolso com apenas 36 páginas, bem diferente do manual que temos hoje, grande e com mais de 500 páginas.

Quando terminamos o atendimento, perguntei: “Onde são atendidos os pais dessas crianças?” Ela respondeu: “No hospital aqui em frente. Eu vou pra lá todas as manhãs acompanhar as crianças internadas com AIDS e outras infecções. Há outras alas ocupadas por adultos com AIDS também. Quer ir comigo amanhã?”

Topei na hora.
O fato é que, ao término da greve, eu já tinha somado 300 horas de estágio voluntário em doenças infecciosas, tanto de adultos quanto de crianças. Ganhei até certificado da Universidade.

Não precisa nem dizer que ali eu decidi que seria infectologista, né? Cumpri as outras disciplinas dos últimos três anos apenas por formalidade, porque já estava decidida.
Cada folguinha que eu tinha nas outras matérias, assim como nas férias, eu me enfiava no hospital de doenças infecciosas. Fiz os três anos de residência lá. Concluí em 2007 e comecei a trabalhar com HIV e ISTs — e nunca mais parei.

Entre 2013 e 2022, fui diretora técnica e assistencial do hospital. Hoje, coordeno o ambulatório de doenças infecciosas do estado e sigo atendendo pessoas vivendo com HIV e outras ISTs, tanto no serviço público quanto na clínica privada.

Ah, lembra das primeiras crianças que atendi em 2001?
Muitos são meus pacientes até hoje — adultos saudáveis e com filhos sem HIV.

É impressionante ver como a ciência evoluiu no tratamento e trouxe qualidade de vida para as pessoas vivendo com o vírus.
Me orgulho muito de não ter desistido e, principalmente, de não ter deixado que eles desistissem. Seguimos caminhando juntos. Sou muito feliz com minhas escolhas.

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